Já se passaram 30 anos desde quando o filósofo francês Roger Garaudy publicava seu livro Apelo aos Vivos. Naquela época Garaudy já alertava para um mundo em “um beco sem saída”, no qual o modelo de crescimento capitalista era tido como insustentável. O filósofo criticava a ideologia do progresso, opunha-se à matriz energética nuclear e denunciava o desperdício na produção, consumo e serviços. Certamente ele não foi o único a descortinar os desdobramentos imponderáveis do desenvolvimento econômico. Já havia a incômoda percepção de uma modernidade em que “tudo que é sólido se desmanchava no ar”, como argutamente escreveu Marshal Berman em outro livro, apoiando-se no velho Marx.
Em Apelo aos Vivos, Garaudy não apenas denunciava uma civilização criadora dos riscos da desintegração social, questionando partidos políticos, igrejas, ciência e tecnologia. Sabiamente ele buscou inspirações e referências em outras fontes filosóficas, distantes da paisagem ocidental. Assim, ele se voltou para a sabedoria dos mundos tradicionais e para o rico patrimônio dos saberes orientais, abrigados nos textos e escolas espiritualistas cristãs, hindus, budistas, dentre outras. Neste amplo território de tradição sapiencial, Garaudy defendeu um outro tipo de crescimento social, no qual outras relações poderiam ser estabelecidas entre seres humanos, natureza e o Divino. O dragão voraz da secularização, que encantou Weber e tantos marxistas e materialistas, recebia, no pensamento do filósofo francês, uma reação humanizadora e emancipadora.
Curiosamente, nos dias atuais reflexões semelhantes (e movimentos intelectuais, políticos e sociais) se voltam contra a irracionalidade das lógicas do mercado. Boaventura Santos, por exemplo, identifica a civilização “do norte” como aquela que se forjou pela composição ardilosa entre ciência moderna, tecnologia e economia capitalista, redundando, em grande parte, neste marco civilizatório que ameaça todas as sociedades presentes. Reagindo a este estado de coisas, Boaventura lembra das epistemologias do sul e dos saberes tradicionais (que têm morada na mãe África, no Oriente, nas comunidades tribais das Américas). Sintomaticamente estes saberes “privilegiam a busca do bem e da felicidade ou a continuidade entre sujeito e objeto, entre natureza e cultura, entre homens e mulheres”, assim afirma Boaventura Santos em Semear outras soluções, nestes primeiros anos do novo século.
O que pensar destas sugestivas reflexões? Qual a atualidade delas? Qual sua urgência? Daí – a meu ver – sua íntima cumplicidade com os diversos investimentos afetivos, filosóficos e políticos, em busca de saídas criativas, iluminadoras, para novas formas de sociabilidade. O modelo holístico de Pierre Weil, o paradigma da complexidade de Edgar Morin e o pensamento sistêmico defendido por Fritjof Capra são algumas ilustrações emancipatórias. Elas todas se aproximam da nova medida de bem-estar social, nomeada Felicidade interna bruta, que não por acaso tem origem em um país do Oriente, com uma forte inspiração espiritual.
Artigo publicado originalmente no portal Órion (http://www.orion.med.br) e reproduzido neste site com autorização do autor.
João Tadeu de Andrade é professor da Universidade Estadual do Ceará, mestre em Sociologia e doutor em Antropologia.