No final da Segunda Guerra Mundial, a jornalista alemã Jella Lepman, que morava na Inglaterra fugindo da perseguição nazista, foi chamada de volta para o seu País, para que criasse e coordenasse uma ação para crianças e mulheres, dentro do projeto de reconstrução da Alemanha. A primeira providência da jornalista, ao retornar, foi percorrer algumas cidades e conhecer os problemas de perto. Foi um choque. Prédios históricos destruídos, residências e hospitais em ruínas, viúvas desamparadas, crianças órfãs, sem água, eletricidade, comida, sem família e sem lar.

Jella detalhou em sua autobiografia o quanto o olhar triste das crianças tocava o seu coração. Imaginando-se na situação de uma delas, Lepman compreendeu que havia algo que tornava o sofrimento ainda mais difícil de superar: não existiam mais livros infantis. A partir dessa constatação seus esforços foram concentrados em escrever centenas de cartas por dia, batidas à máquina por ela própria, pedindo doações de livros aos governos e instituições de vários países ao redor do mundo. Ela queria devolver o sonho às crianças.

Pela literatura, elas poderiam alimentar a imaginação, voltar a sorrir e acreditar na vitória, aprendendo com os heróis dos seus livros preferidos, enquanto reconstruíam as próprias vidas. O mais forte e mais bonito ponto dessa iniciativa foi o fato das cartas terem sido enviadas para um número diversificado de países, incluindo ex-inimigos de guerra. A idéia de Jella Lepman foi dar a oportunidade a esses pequenos alemães de conhecer, respeitar e amar as culturas distintas da sua.

Jella Lepman compreendia que a literatura infantil, os contos de fadas e os clássicos da humanidade são uma herança a qual todas as crianças têm direito. Negar o acesso à literatura infantil na infância é subtrair o direito sagrado a essa herança. Qualquer criança do mundo sente afeto pelas aventuras e dúvidas de Alice, a pequena inglesinha do País das Maravilhas; pelas travessuras do italianinho Pinóquio; pelos personagens de contos de fadas, com raízes espalhadas pela Europa. Os mitos indígenas encantam, as lendas africanas surpreendem, os contos japoneses impressionam.

São formas diferentes de viver, mas que preservam arquétipos que calam no coração de crianças de qualquer lugar do mundo. Monteiro Lobato, o maior escritor de literatura infantil do Brasil, teve a preocupação de reunir em sua obra todos os elementos citados acima. Criou um ambiente rural e tipicamente brasileiro, mas convidou personagens estrangeiros para o Sítio de Picapau Amarelo, oferecendo aos seus leitores a percepção de um mundo de portas abertas.

A literatura infantil não é somente um meio para aprender a ler melhor e ter bons resultados na escola. É muito mais que isso. A leitura é um dos instrumentos mais poderosos para a formação de cidadãos conscientes, de mãos dadas com o mundo . O acesso a uma biblioteca diversificada é uma ponte para a compreensão e realização de uma cultura de Paz, onde as diferenças não são vistas com estranhamento e preconceito, mas sim admiradas como fonte de sabedoria e riqueza. Por tudo isso eu afirmo, sem medo de errar, que as soluções para os problemas do mundo existem e podem ser encontradas em uma boa biblioteca infantil.

Socorro Acioli
é jornalista e escritora, com Mestrado em Literatura Infantil pela Universidade Federal do Ceará. Escreve o blog http://as-borboletas-de-fevereiro.blogspot.com
socorroacioli@gmail.com

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