Conta-se que, certa vez, uma ave marítima pousou em uma cidade muito distante do mar. Então, o marquês de Lu resolveu levá-la para seu templo, recepcionando-a com um grande cerimonial. Fez tocarem a música dos Nove Esplendores, servindo-a com uma taça de vinho envelhecido e ofertou-lhe um banquete de carne de gado e porco. No entanto, a ave ficou atordoada e definhou, recusando-se a experimentar a carne ou o vinho e, em poucos dias, morreu. Todo esse aparato não passou de frustrada tentativa de tratar a ave como o marquês gostaria de ser tratado, não, porém, como a ave gostaria.


Caso ele tivesse se embrenhado com a ave na floresta para libertá-la, brincando entre as ilhas, nadando nos rios e lagos, alimentando-se de carpas e peixes, voando com o resto do bando e vivendo da forma que bem desejasse, a ave não teria morrido. Aquela cidade deveria ser muito distante dos mares para que uma ave marítima chamasse tamanha atenção e fosse grandemente venerada. Contudo, a ave pareceu sensata e coerente, pois a última coisa que pretendia era a celebridade. O marquês, acostumado aos prazeres da corte, embora com as melhores das intenções, procedeu de modo a matá-la por meio de pompas e gentilezas.


Equivocadamente, escolheu o melhor de tudo para agradar a ave. Mas ela sequer provou de sua refeição. Morreu ansiando por sua liberdade e por um pouco de peixe fresco. O lendário marquês, no entanto, não foi o único na história da humanidade que, seguindo a regra de ouro de fazer ao outro o que desejava que se lhe fizesse, tornou-se um tolo. A extravagância de seu egoísmo fez-se evidente. Seja o que for que se faça, não é possível simplesmente obrigar pessoas ou animais a fazerem o que se tem como certo. Nem mesmo as mães podem esperar isso dos filhos.


Todo ser vivente merece respeito, e não se pode subtrair-lhe os direitos inerentes à sua condição existencial. Dê-lhe o que for apropriado. Cumpra-se essa obrigação e nada mais. É para isso que serve a solidariedade. Qualquer criança pode dizer que feno é próprio para cavalos, leite para gatos, peixes para aves marinhas e que se deve deixar os animais viverem como bem quiserem. É possível e até necessário amar o próximo como a si mesmo, mas deixando-o viver em paz, com seu jeito de ser, sem violentar sua consciência nem molestar suas convicções.

Edilson Santana é Promotor de Justiça

Artigo publicado no jornal Diário do Nordeste e reproduzido neste site com autorização do autor

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here