Todas as manhãs, ao acordar, somos solicitados a tomar posição diante das coisas do mundo. Trata-se de uma escolha, como escolhemos a pasta de dentes que usamos, a primeira manchete que vamos ler do jornal ou o caminho que nos leva até o trabalho.


Mais que escolhas, o mundo nos solicita uma tomada de posição sobre a própria vida, os fatos que fazem com que ela seja de melhor ou pior qualidade e que nos apaziguam em relação à nossa consciência. Não há escapatória, todo dia é dia de tomada de posição, sob pena de nos sentirmos inadequados, omissos, coniventes com os horrores que os homens provocam – quem não tem posição está condenado a uma solidão no limbo, no nada, na neutralidade que, nesses tempos, passou a ser sinônimo de covardia e carneirice. Será que se pode ficar neutro diante das imagens brutais que as TVs divulgam todos os dias? Há neutralidade possível diante do cinismo e a prepotência de tantos políticos assaltantes de cofres públicos, seguros de que o dinheiro do roubo garantirá sua inocência? Como se manter no meio-termo, ouvindo a arrogância do presidente a afirmar que “o País não está em crise, quem está em crise é o Corinthians”, enquanto o País se embanana em epidemias, assaltantes governam cidades, doentes imploram por auxílio, ameaças se multiplicam?


Se for verdade, como dizem os cânones filosóficos, que tudo é relativo, se existem apenas versões e não fatos, como ensinam os manuais de jornalismo, se até os assassinos têm justificativa para seus atos, é preciso tomar posição. Caso contrário a enxurrada de notícias, fatos e versões, nos levarão de roldão para a cova rasa dos sem-opinião, pior ainda, dos passivos-complacentes-acomodados, inocentes úteis.


“Não quero me aborrecer”, dizem por aí esses tipos que acreditam que sua opinião e atitudes não mudarão o curso das coisas, fingem que não é com eles, pensam que mergulhar nas suas festinhas regadas a cerveja e champanhe neutraliza os podres do mundo. É comum assistir a formadores de opinião como homens públicos, jornalistas, empresários e afins não emitirem opinião – um contra-senso – para não se desagradarem nem desagradarem camadas da população, leitores, eleitores, etc… são cópias redivivas de um certo político mineiro, Benedito Valadares, modelo da famosa frase “não sou contra nem a favor, muito pelo contrário”.


Não fosse a neutralidade acomodada e o mundo seria outro, teria contingentes de pessoas com posição tomada e expressada diante de barbaridades cotidianas, pressionaríamos os governos, enfrentaríamos os desrespeitos, encararíamos o cinismo que humilha, nos desvencilharíamos de muitas fontes de dissabores, cumpriríamos dignamente nosso papel da “mosca-que-caiu-na-sua-sopa” de que falava o Pedro Bezerra….


Mas é mais fácil não tomar partido – vivemos a época do fácil. É preciso marcar posição até mesmo contra coisas simples que incomodam e aproveito este espaço pra ser a mosca e tomar partido do Brasil diante do desfile de “patifarias” – lá fora, o mundo desmorona; fico perplexa ao ver que ainda se discute intelectualismos insossos, só pra demonstrar erudição, enquanto somos enganados por discursos indigentes; lanço olhares desatentos a apresentadores de TV que agem como marionetes repetitivas e automáticas, sem opinião; demonstro pena, o pior sentimento do mundo, quando cruzo com certos políticos metidos em seus ternos mal talhados, que jamais disfarçam o recheio de ar de que são feitos. Por isso, é mais fácil sorrir…

* Rossana Brasil Kopf é psicanalista


 Artigo originalmente publicado no jornal O Estado

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