Uma professora me contou esta história. Recebeu uma turma de 3º ano numa escola pública. Preparou a aula com a fartura de livros que os meninos carregam na mochila. Em classe, o descompasso. Os alunos mal sabiam procurar a página dos livros, reconhecer uma unidade. O texto era quase um assombro. Chegou à conclusão: “eles não sabem ler”. Decidiu fazer um teste.

Pôs uma carteira no corredor da classe, tomou um texto simples, uma história infantil, dessas para crianças recém-alfabetizadas e chamou um por um para ler a história. Individualmente, para não constranger os garotos. Não saber ler é o maior dos constrangimentos e eles sabem disso. Resultado: dos 27 alunos em sala, nove conseguiram ler os três parágrafos propostos. Desses, apenas três tinham condições de ler as palavras reconhecendo a silabação. O restante não sabia ler uma frase, muitos não dominavam o alfabeto.

Essa moça, uma professora com nível universitário, aliás, com pós-graduação, está desenvolvendo um método para trabalhar as disciplinas como geografia, história, ciências, usando o máximo a oralidade e contando com os alunos que sabem ler. Com português voltou ao alfabeto, montou um sistema para as aulas que alfabetizam ao mesmo tempo em que dá o conteúdo proposto para a etapa. Uma trabalheira. Enquanto conversávamos vieram-me algumas perguntas: é honesto empurrar para frente uma criança que não sabe ler? Qual a responsabilidade real dos professores que tomam uma decisão dessas? Qual o papel das coordenações, supervisões, direções dessas escolas?

 

Não vou perder linhas deste artigo para tratar das graves condições sociais, familiares e econômicas que muitas dessas crianças enfrentam, mas a escola não pode sucumbir diante disso e não buscar alternativas de superação de alguns desses efeitos. Os governos federal, estadual e municipal podem ter os planos mais lindos do mundo para alfabetizar crianças, mas se não houver um sistema honesto de auditagem por classe e escola, não acredito no êxito desses planos. Estimular uma pessoa para a leitura é uma das coisas mais importantes do mundo. E não é possível que o batalhão de professores que está aí não sinta a felicidade de entregar letras, palavras e frases a crianças e dizer a elas: toma, com isso você pode vencer o mundo.

* Artigo publicado no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora

Regina Ribeiro
– Jornalista
reginaribeiro@opovo.com.br

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