O fim da exigência do diploma para o exercício do jornalismo fecha um ciclo recente de decisões que, no centro, fortalecem a ideia de que a atividade será melhor quando livre de regulações. Assim é que o debate sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo (ou Jornalistas) não prosperou, sob o falso argumento de que embutia uma intenção do governo de cercear a liberdade de imprensa. Assim, também, é que a derrubada da Lei de Imprensa, sem a preocupação consequente de resolver pendências relacionadas, por exemplo, à aplicação do direito de resposta, foi saudada como um outro grande salto rumo à democracia, um golpe contra entulhos autoritários blá blá blá.
Blá blá blá não falta, também, nestes dias que se seguiram à decisão do STF que mandou nossos diplomas ao lixo, fechando-se o tal ciclo antirregulação. Li muito, assisti o que pude de discussões sobre o tema, ouvi gente de fora e de dentro do ambiente jornalístico para, hoje, perceber incólume minha posição de sempre favorável à formação específica como condição básica para se exercer a atividade.
Ajudou, é claro, a baixa qualidade dos argumentos apresentados pelos oito ministros quando, naquele 17 de junho, justificavam suas posições contra o diploma. A tese que prevaleceu é a de que sua permanência iria de encontro ao princípio constitucional que garante liberdade de expressão, seria um cerceamento do acesso do cidadão, coisas assim.
Pois eu desafio o leitor a pegar qualquer jornal brasileiro editado no mesmo dia da histórica sessão do STF e percorrer suas páginas. Rasgo meu diploma (o valor sentimental está preservado) se não houver, em todos eles, textos assinados por colaboradores, articulistas e outra nomenclatura mais que se dê, opinando sobre temas diversos, bem e mal escritos, enfim, ocupando espaços. Estes que alguns dizem que a situação de antes negava.
Os ministros reproduziram, nos seus votos, a visão equivocada que tenta limitar o jornalismo à capacidade de saber escrever, relacionando-o apenas a um dom natural, quando quem está na atividade sabe que ele é muito mais do que isso. O texto, fundamental que seja, e é, não se basta para encerrar a prática jornalística.
E o diploma, onde entra? Como parte essencial da formação de quem estará obrigado a conviver com peculiaridades em muitos momentos de sua vida profissional. Por que estranhar que o candidato a jornalista seja submetido a um tempo de estudos, de debate teórico e atividades pedagógicas práticas que o coloquem em contato com a realidade que um dia irá vivenciar?
Precisa-se, ainda, respeitar o peso do diploma como instrumento regulador. A balela do mercado que por si é capaz de dar conta do desafio de filtrar bons e ruins não serve mais sequer para as teses econômicas, destruída que foi por uma crise que é resultado, exatamente, da crença de que era manter o Estado distante para as coisas se acomodarem conforme as circunstâncias naturais.
A comunicação social não se tornará melhor no País lançando-se ao nada o principal instrumento de controle de acesso ao mercado de trabalho, especialmente quando nada se põe em seu lugar. A realidade objetiva é que o vazio criado pode abrir espaço à desordem, e não a uma nova ordem, no jornalismo.
* Artigo publicado em 01.07.09 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor.
Paulo Eduardo Mendes
– Jornalista
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