Domingo (26) foi um dia arrastado. Assim como hoje. Como amanhã. E alguns próximos até a saudade ocupar seu lugar devido em corações que estão do tamanho de grãos de areia, quão gigante é a angústia. Missão difícil essa de lidar com mortes inesperadas de gente com a qual você esperava caminhar até o fim, lá na velhice.

 

As lágrimas vertidas por André Salgado são pelos tantos sonhos não concretizados. Pelos milhares de abraços não distribuídos. Pelas danças no meio da redação num dia corrido que não serão mais vistas. Pelas performances no estacionamento do jornal enquanto o carro não chegava (risos). Pela viagem tão idealizada para setembro e não mais possível em dupla. Pelo encontro frustrado com a cantora amada. Pela gargalhada gostosa abafada numa queda aos 24 anos.

 

Mas é preciso aprender. Tirar lições disso. Da morte, senhora da vida. Vida, algo tão bem encenado por ele. Ele, o estandarte da felicidade. O menino da alma escancarada. Para qualquer um. Daí Salgado ser tão especial. Ter ido deixando um legado de amor. De devoção. À mãe, aos amigos, ao trabalho e até ao desconhecido.


Estou com um coração que não cabe no peito. Mas tento enxergar essa despedida da mesma forma que uma amiga encarou o “até breve” ao avô e, mesmo distante, fez questão de tentar me confortar com palavras lindas. Mirela disse: “ele era um anjo na terra. Só fez abrir as asas”. Vai ver, como ela também me falou, “esse mundo está muito difícil para pessoas puras e boas.”


Mas esse é o tipo de situação que também me faz refletir sobre a profissão que escolhi. Agora, ainda mais. Em três anos de O POVO, várias foram as reportagens que fiz sobre mortes bruscas. Dois destinos interrompidos por tragédias, no entanto, mexeram comigo mais do que o habitual. O do menino Bruce Cristian, assassinado com um tiro na cabeça disparado por um policial militar em julho de 2010, e o de Camila Bezerra, modelo cearense que caiu do apartamento onde morava na China em 1º de janeiro deste ano.


Em ambos os casos, os pais eram mais serenidade do que dor. A cobertura jornalística das histórias em diversas mídias por aí, entretanto, extrapolou em algumas horas. Mostrou detalhes sanguinolentos e perfeitamente dispensáveis em respeito à consternação de amigos e familiares. Sim, a gente tem que pensar neles quando vai escrever algo. Porque eles também leem/assistem jornal. Incrível, não?


Pois eu me sentia/sinto pequeno diante de tanta exposição em episódios assim. Defendia – e defendo – singeleza nessas matérias. Não sou afeito a abordar a família, a não ser que ela tome a iniciativa de verbalizar a dor. Se é que alguém consegue em vida verbalizar a dor. Para mim, é mais observar do que falar.


No tocante à morte de André, me chocou ver uma emissora de tv potiguar mostrando, no detalhe, a câmera usada por ele toda quebrada na calçada devido ao impacto da queda, os óculos em similar estado, o crucifixo que ele começou a usar dois dias antes do acidente todo desmontado e marcas de sangue no carro e na parede do prédio. Alguns sites publicaram fotos do corpo estendido no chão. Pergunto: isso acrescenta em quê à notícia?


Mas magoou mesmo ler/ouvir tanta ilação sobre ele ter cometido suicídio por supostamente estar com depressão. Gente feliz não tem tempo pra depressão, meu povo! A missão de André aqui era nos alegrar. E ele sabia disso. Mas muito boato foi reverberado em blog, site e rede social sem qualquer checagem de informação com parentes e amigos.


Se já considerava tudo isso excesso, agora, mais do que nunca, com meu melhor amigo enquanto personagem das matérias, me convenço da urgência de mais sensibilidade no jornalismo e nas postagens de Facebook (ou qualquer outra rede social que o valha).


É possível falar de tragédias sem ser seco. É possível divulgar fatalidades preocupando-se com o modo como quem amava a vítima vai receber a informação. André defendia esse respeito. Respeitemos, então, a vontade dele. A todos, meus sinceros agradecimentos pelos desejos de paz e brandura no coração.


Bruno de Castro, repórter de Cotidiano do jornal O POVO, vencedor do Prêmio Gandhi de Comunicação 2010 e amigo de André Salgado.

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