Mahatma (grande alma) Gandhi, em sua autobiografia, intitulada An Autobriography “The Story of My Experiments with Truth“, narra o acontecimento de um episódio que o marcou profundamente: na África do Sul, em 1893, Gandhi, jovem advogado indiano, formado pela Universidade de Londres, viaja para a cidade de Pretória, com o propósito de defender os interesses de um cliente em causa judicial. Portando um bilhete de primeira classe, ele acomoda-se em seu lugar e é arrancado violentamente de lá e despejado do trem. No dia seguinte, após pleitear seus direitos, ele volta à estação. Segue viagem e novamente é violentamente abordado pelo funcionário do trem, que afirma que sua passagem não é válida para coloured people. Temendo perder a audiência, Gandhi acomoda-se na boleia, até o momento em que, o mesmo funcionário, desejando fumar, ordena que ele saia da boleia e fique no estribo. Gandhi desobedeceu e permaneceu em seu lugar. Foi brutalmente espancado pelo funcionário da empresa de transportes.
Esse acontecimento fez florescer em Gandhi o sentimento da doutrina da satyagraha, a “firmeza na verdade“. Não revidar às ofensas com ofensas, nem à violência com mais violência. Lembrei-me desse episódio por novamente ver aquecidos os debates sobre o combate à violência e a redução da maioridade penal após a morte violenta da empresária Marcela Montenegro. A imprensa divulga as opiniões de autoridades, de políticos e de representantes da sociedade civil e mais uma vez é frequente a defesa de um combate à violência com mais cárcere e mais violência. Argumenta-se também, em conversas não tão públicas, sobre a necessidade da existência de grupos de extermínio e absurdo do tipo.
A comoção pública em situações de violência extrema engendra soluções imediatas como se tivessem o condão de resolver o problema. Edgar Morin alerta para o perigo do argumento de fazer violência para acabar com a violência. Agindo assim perpetuamos um ciclo ininterruptamente. Pergunto: o que é um ser humano? Se analisarmos todo o contexto de uma situação violenta, em uma sociedade tão desigual, podemos, realmente, acreditar que o aumento do cárcere ou a redução da maioridade penal é a melhor solução? Somos, como afirma o ministro do STF, Carlos Ayres Britto, um microcosmo. Julgar um ser humano tomando como medida o julgamento do mesmo a partir de seu ato mais negativo é esquecer de todo o contexto histórico e social da situação. Nossa CF, em seu art. 3º, afirma nossos objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos. O bem se promove com o bem. Mesmo com toda a fúria e violência que são manifestadas, o desejo de amar e a prática de atos amorosos transcende os tempos e é com essa força positiva que acredito que a paz possa reinar em nossos corações e realmente transformar a vida.
* Artigo publicado no jornal O Povo de 17 de março de 2010 e reproduzido neste site com autorização da autora