Brincadeira – João Tadeu

Quando tinha seis anos, Lucas costumava brincar de tudo um pouco. Ele nasceu no dia de São Francisco, e por esta razão a madrinha lhe deu de presente uma estatueta do Santo, vinda de Canindé. O menino, é claro, também se divertia com a televisão. Assistiu uma série sobre Canudos e acerca de um tal de Conselheiro. Lucas ficou maravilhado com as imagens da guerra e com a bravura dos seguidores do líder popular.

 

Dias depois, ele se divertia com um cenário de pedrinhas, tampas de garrafa e peças de dominó. A mãe de Lucas observou uma caixinha de fósforos colada a um pedaço de algodão. Ela estava caída. A mãe resolveu levantar a caixa…foi quando Lucas lhe falou que se tratava do Conselheiro já falecido na batalha de Canudos.

 

Noutro dia, o menino resolveu fazer uma mistura bem especial. Botou em campo o Conselheiro, o São Francisco – que ele chamava de Pantico – e o Batman a lutarem contra “forças inimigas” que se escondiam na esquina da cozinha. Foi um estardalhaço de tiros, fogos e gritos…A mãe admirada perguntou quem venceria na disputa. Lucas, um pouco triste, responde que só o Batman, já que o Conselheiro e o Pantico tinham morrido no corredor da casa…e também o avô Zé que ele não conhecera.

 

Nas brincadeiras de Lucas, um dos milhares de meninos da terrinha, a tradição e o moderno, a ficção e o real, se mesclam e participam de um imaginário veloz e multiforme. Mesmo vindo de territórios distintos, Pantico e Batman integram um mesmo cenário de imagens e energias em torno do qual meninos e meninas brotam pela força da imaginação e da sensibilidade. Estes elementos ficcionais, míticos e religiosos, pelo próprio modo como se apresentam, são anteriores aos indivíduos. São como um chão sobre o qual imprimimos, vez por vez, nossos passos neste mundo.

 

As brincadeiras, talvez mais importantes do que o biscoito e o leite, são alimentos necessários para que uma individualidade se estruture vagarosamente. Brincadeiras são como uma atmosfera de figuras e formas pelas quais o mundo vai ganhando sentido para as crianças. As modelagens com areia, lama ou folhas de bananeira não compõem apenas paisagens externas. Elas são como impressões mentais, funcionando como tijolinhos que montam a base de um edifício (ou de uma árvore) cada vez mais cheio de detalhes.

 

O “barato” das brincadeiras é que elas podem acontecer em qualquer idade e endereço. Às vezes elas podem ficar mais sofisticadas, mas são sempre este “lugar” em que exercemos parte importante de nossa liberdade.

Que vivam nossos Panticos e Conselheiros!

João Tadeu de Andrade
– Professor da Universidade Estadual do Ceará
jtadeu@uece.br

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here