Avançamos muito nos últimos anos de caminhada: o movimento nacional pelo direito à convivência familiar e comunitária, capitaneado pelos Grupos de Apoio à Adoção, teve, como recompensa por mais de uma década de militância amorosa, o mérito de despertar o poder público para a situação de aflição de milhares de crianças que vivem depositadas em instituições de abrigo.
Despertou o Poder Legislativo que através do denominado projeto de lei da adoção, de autoria inicial do deputado federal João Matos e depois relatado pela deputada federal Maria do Rosário, que pretende suprir lacunas da legislação brasileira. O projeto encontra-se no Senado. O Estatuto da Criança e do Adolescente significou um avanço democrático fundamental no Direito Brasileiro, mas a questão da institucionalização indiscriminada de crianças não é tratada de forma pormenorizada que garanta que cada criança tenha sua situação examinada e resolvida em tempo hábil.
Despertou o Poder Judiciário, em sua representação classista, através da Associação dos Magistrados Brasileiros, ao escolher o tema “Mude um Destino” para sua campanha nacional. Adere esta notável Instituição ao diálogo que vem sendo proposto pelos Grupos de Apoio à Adoção, há mais de 13 anos. Abre-se a possibilidade de que este diálogo possa influenciar as transformações necessárias na atuação concreta das Varas de Infância e Juventude, com a agilização de processos e a definição da situação jurídica das crianças.
Ainda na seara judicial, é de se ressaltar a preocupação do Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle externo da magistratura brasileira, que criou o cadastro nacional para adotantes e crianças disponíveis, num esforço elogiável de uniformização de procedimentos e transparência. Nasce a esperança de que os pretendentes à adoção possam esperar menos nas filas e que não tenham que percorrer uma via crussis “by-by brazil”, para aumentarem as chances de realização de sua paternidade. A alimentação dos dados deste cadastro não será facultativa, mesmo porque a determinação parte do CNJ, tendo esta iniciativa chances reais de ser muito bem sucedida.
O Ministério Público, instituição fundamental para garantir o direito fundamental da criança de viver em família, se organiza localmente em alguns Estados, com a criação de programas e projetos que priorizam a investigação e o tratamento da questão do abrigamento. Neste diapasão, pode ser citada a experiência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro com a criação do Módulo da Criança e do Adolescente – MCA, que é um programa de informática que servirá para integração de todos os atores sociais que lidam com a criança. O abrigo, o Conselho Tutelar, a equipe técnica do juízo, Promotor de Justiça e Juiz de Direito alimentarão e consultaram a mesma base de dados, extinguindo o trâmite desnecessário de papel entre estes entes.
Despertou o Poder Executivo com o lançamento do Plano Nacional de Convivência Familiar, com previsão de políticas concretas para a reintegração familiar e a colocação em família substituta. Salvo a percepção de que a adoção é reiteradamente assinalada com a última das alternativas, num excesso de zelo retórico, o Plano traz avanços consideráveis, que estão sendo acompanhados com programas de transferência de renda de dimensão mundial, para dar condições ao exercício da paternidade responsável por parte dos menos favorecidos.
Infelizmente ainda há resistências preconceituosas que atrasam os processos e mantêm milhares de crianças em abrigos. Mas a esperança é a palavra de ordem. Vamos vencer! Para cada criança, uma família.
* Artigo publicado em 06.03.09 no jornal O Estado e reproduzido neste site com autorização do autor.
Sávio Bittencourt
Promotor de Justiça (RJ). Formado em Direito (Universidade Federal Fluminense – UFF). Mestre em História Social (Universidade Severino Sombra – USS).
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