Como quase todas as iniciativas do governo Lula, o Vale Cultura também nasce sob polêmica: uns o acusam de eleitoreiro; outros de incentivar eventos culturais desqualificados. O Vale Cultura, se aprovado, será um cartão magnético – parecido com o tíquete alimentação – carregado com o valor de R$ 50,00/mês para o trabalhador adquirir bens culturais.
Em sua coluna na edição de 26/7/2009, na Folha de S. Paulo, Gilberto Dimenstein criticou o Vale Cultura pela possibilidade de o benefício ir “para produtos e eventos de alto impacto popular, mas com baixo teor educativo – livros de autoajuda, filmes de comédia ou shows de música sertaneja, por exemplo”.
O jornalista teria de definir melhor o que considera condenável nos itens que ele cita. Vejamos: será que ele inclui no quesito “música sertaneja” somente os “neo-sertanejos” ou vai de cambulhada Inezita Barroso, Rolando Boldrin [e o seu programa Sr. Brasil], as orquestras de viola caipira, Almir Sater e a obra de Patativa do Assaré? Só para citar alguns.
Talvez Dimenstein queira sugerir um Comissariado de Intelectuais de seu calibre para definir o que o que a massa ignara deva ler ou ver. O comissariado poderia estabelecer alguns critérios para o uso do Vale Cultura, uma espécie de “bregômetro”.
Por exemplo, se o cara comprasse um livro de José Saramago, ele ganharia alguns pontos a mais em seu cartão; mas, na outra ponta, se ele caísse na besteira de comprar um livro de Paulo Coelho, a pena seria, pelo menos, uns três dias de cadeia.
Se um sujeito resolve assistir a um filme francês da Nouvelle Vague, ele receberia em casa, uma visita do Comissariado de Intelectuais, ganharia uma medalha e passaria a ser apresentado como exemplo de operário-padrão da cultura para os demais.
Agora se algum desinfeliz ousasse assistir a um filme dos Trapalhões ele seria
atirado em um tambor de piche , coberto de penas, e seria obrigado a desfilar pelas ruas do se bairro para ser alvo de opróbrio. (Eu não quero nem pensar o que aconteceria se ele fosse, com a família, em um inocente programa de fim de semana,assistir a um show de humor de pizzaria, tão comum em Fortaleza.)
Mas o Comissariado teria um duro problema para resolver. O que fazer com aquilo que é considerado de “mau gosto” e depois é promovido para de “bom gosto” pela “intelectualidade”?
O músico Peninha, por exemplo, a obra dele teria de ser dividida antes e depois de Caetano Veloso ter gravado “Sonhos”. Quanto aos sertanejos Zezé di Camargo e Luciano: as músicas não poderia ser ouvidas, mas o filme “Os dois filhos de Francisco” seria obrigatório, pois produzido, escrito e dirigido por jornalistas e diretores da fina flor da intelectualidade.
Vamos dar de barato que Dimenstein esteja certo, que não se deve dar dinheiro para a, digamos assim, “baixa cultura”. E vamos supor que somente 0,5% dos beneficiados utilizem o vale para se ilustrar com concertos, peças de teatro da mais alta qualidade, ler clássicos da literatura universal. Ainda assim valeria a pena, pois, “quem salva uma vida, salva a humanidade”.
* Artigo publicado em 29.07.09 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor.
Plínio Bortolotti
– Diretor Institucional do O POVO
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