Na clássica obra Do contrato social, Jean-Jacques Rousseau defendia a tese de que a soberania nacional, como expressão da vontade geral do povo, não podia ser representada. Os deputados não seriam representantes, mas apenas comissários do povo, sem qualquer poder decisivo, uma vez que a vontade que estes representantes defendiam era a sua própria e não a dos representados. A vontade do povo deveria ser expressa diretamente.
Esse ideal de democracia direta, se ainda impraticável em sua plenitude, influenciou diretamente nossa Constituição Federal de 1988, na previsão de que o poder emanado do povo se exerce não apenas pelos representantes eleitos, mas também diretamente mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Entre a teoria e a prática, o contexto político brasileiro pode agora oferecer interessante laboratório à teoria de Rousseau na medida em que a apresentação do projeto de iniciativa popular, encabeçado pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e movimentos de combate à corrupção, visando ampliar os casos de inelegibilidade (projeto “ficha limpa“), torna evidente que a vontade popular se contrapõe à de seus representantes.
A principal alteração proposta, impedir a candidatura dos condenados em primeira ou única instância, já foi rechaçada por vários deputados. Defesa da moralidade/probidade de um lado e princípio da presunção de inocência do outro. Independente do argumento, a impressão que se tem reflete a tese de Rousseau de que os representantes não defendem os interesses dos representados, mas os seus próprios. Basta conferir sites que relacionam parlamentares na situação impeditiva prevista pelo projeto (www.congressoemfoco.com.br, por exemplo) para se aproximar das razões corporativistas dos que se opõe à ideia.
* Artigo publicado em 26.10.2009 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor.
Paulo Roberto C. Queiroz
– Mestrando em Direito Constitucional e Especialista em Administração Pública
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