Com o advento da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, deu-se a consolidação do Direito Ambiental como norma-matriz, sendo a ele dedicado o Capítulo IV do Título VIII que trata da Ordem Social. Se faz mister ressaltar que a matéria ambiental não se cinge mais às questões relativas à natureza, como já se alinhavou alhures. Na feliz classificação do professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, além do meio ambiente natural, constituído solo, água, ar atmosférico, flora e fauna, existem mais três espécies de patrimônios ambientais: o artificial, o cultural e do trabalho, vinculado às questões do ambiente de trabalho.


O denominado meio ambiente artificial é constituído pelo espaço urbano, abrangendo as edificações, os equipamentos públicos, bem como as redes das práticas econômicas e sociais, assim como os fluxos de trânsito, a movimentação da população em transporte e trabalho, a disputa territorial pelo espaço urbano e outros fenômenos da cidade. O espaço é um composto inseparável de fluxos e fixos. Nas palavras de Milton Santos, o Geógrafo do Brasil, “Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar”. Assim são as cidades: elementos estáticos e dinâmicos que interagem e se modificam continuamente.


Pois bem, neste espaço urbano formado pela confluência indissociável e contraditória entre os fixos (edificações, loteamentos e equipamentos públicos) e os fluxos (atividades sócio-econômicas), permeados por disputas territoriais dramáticas, reside a chamada “sadia qualidade de vida”, objeto da tutela constitucional do ambiente. Em outras palavras, a mantença de uma vida de qualidade para o cidadão é uma das finalidades do artigo 225 da Constituição Federal, o que coloca o espaço urbano e seus conflitos no cerne do Direito Ambiental.


Destarte, a poluição sonora, os engarrafamentos, a qualidade dos serviços de esgoto e abastecimento de água, a produção ilegal do espaço urbano, as atividades laborativas informais em seus desdobramentos espaciais, por exemplo, são questões de profundo interesse do Direito Ambiental, por serem essenciais à sadia qualidade de vida da população e ameaçadoras à dignidade da pessoa humana.


A terceira espécie de meio ambiente é composta pelo denominado patrimônio cultural. Este é formado pelo conjunto de bens e atividades que resgatam e perpetuam a história de um povo, suas manifestações artísticas, formação e cultura. O artigo 216 da Constituição Federal elenca “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.


O meio ambiente cultural engloba as construções humanas de importância histórica e por serem tradução do atuar do homem se aproximam por este aspecto da conceituação de patrimônio artificial. Contudo, a evidente especialidade destes bens, cujo valor se destaca em função de sua representatividade sócio-cultural, os torna mais relevantes que os demais. Sua função de perpetuação de referências imanentes de um povo as transforma em um novo tipo de patrimônio ambiental, não mais visto simplesmente pela ótica de sua criação pelo homem, mas sim pelo viés de sua importância como elemento de cultura.


* Artigo postado em 23.07.2010 no jornal O Estado e reproduzido neste site com autorização do autor.

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