Numa sexta-feira, 12 de agosto, o Ceará e o Brasil ficaram mais pobres. É que um dos seus grandes patrimônios acabou nos deixando. Trata-se do médico sanitarista, poeta e sobretudo militante comunista Francisco das Chagas Dias Monteiro, o nosso Chico Passeata.


Quem teve o privilégio de com ele conviver e militar há de concordar que o Chico não morreu. Simplesmente ele desencarnou, pois quem viveu como ele viveu, lutando contra a tirania fardada iniciada com o golpe militar de 1º de abril, buscando sempre o socialismo e amando sem limites o seu povo, os seus amigos e a sua família, sabe que ele estará sempre vivo através do seu exemplo, do seu ser brincalhão e da extrema capacidade de fazer amigos.


Conheci o Chico Passeata e a sua Helena Concentração na década de 1960, no movimento estudantil. À época militávamos em Ação Popular (AP) e os dois foram meus padrinhos de casamento em 1968. Depois fomos para a clandestinidade, eles no interior de Pernambuco e eu no interior do Ceará. Foi uma amizade muito sólida, sem cobranças e com muito respeito e afeto.


O Chico freqüentava muito a minha casa e a da minha sogra, dona Maria Martins, que tinha por ele muito carinho. Após a anistia política em 1979, quando ele aparecia por lá o chamávamos de Chico, mas a dona Maria preferia chamá-lo de Ari – nome frio daquele militante de AP – pois foi com esse nome que ela o conheceu. E sempre perguntava pelo Ari.


Fomos seqüestrados por agentes do famigerado Doi-Codi, do então 4º Exército, sediado em Recife, para onde fomos levados. Primeiro ele e a Helena e três anos depois eu. Fomos brutalmente torturados pelos animais fardados e quando conquistamos a liberdade voltamos ao campo de batalha para dar prosseguimento à luta contra o terrorismo de Estado. Chico não viu o nascimento do seu primeiro filho, o Manoel que ele carinhosamente chamava de “Calanguinho”, pois a Helena estava recolhida em um presídio feminino.


Ao concluírem o curso de Medicina,depois de uma passagem pelo município de Aratuba, a convite do padre Moacir Cordeiro Leite, vigário e diretor do hospital local, Chico e Helena foram para Campinas (SP) onde estudaram, trabalharam, ensinaram, continuaram a luta contra a ditadura militar e fizeram uma legião de amigos. Para gáudio dos seus amigos cearenses, ambos retornaram à terrinha para dar continuidade à incessante luta.


O Chico Passeata foi uma figura marcante onde atuava, deixando a sua marca de defensor intransigente da saúde pública. Foi assim como acadêmico de Medicina, como dirigente do Sindicato dos Médicos do Ceará, dos Conselhos Federal e Estadual de Medicina, no Conselho Nacional de Saúde e na Secretaria Estadual de Saúde. Como médico sanitarista, ele participou ativamente do movimento pela reforma sanitária ao lado do também sanitarista Sérgio Arouca, considerado o eterno guru da Reforma Sanitária, ajudando a moldar o modelo assistencial existente no País.

Em 1985, numa simples mas emocionante solenidade na Câmara Municipal de Fortaleza, o Chico assina ficha de filiação ao Partido Comunista do Brasil, estuário dos mais de 90% dos militantes de AP. Chorando, ele enfatizou que aquele era o dia mais feliz da sua vida. A emoção contagiou a todos os seus camaradas e muitos não conseguiram segurar as lágrimas, inclusive eu e o então vereador Chico Lopes.


Lamento profundamente a perda do padrinho, grande amigo e camarada, e mais ainda por não estar em Fortaleza no dia 12 para prestar a última homenagem a essa grande figura e abraçar a Helena, o Manoel, a Sandra, a Janaína, o João Pedro e o Samuel.


Como você queria, camarada Chico, vamos seguir, de mãos dadas, o caminho da esperança buscando a paz no ritmo compassado das batidas do coração, abrindo as portas da tolerância, abraçando o entendimento e protegendo a vida. Como você, amigo, acreditamos que nada é tão bom que não possa melhorar.


O seu exemplo e sua alegria estarão sempre vivos em nossa vida.


Messias Pontes é Jornalista – messiaspontes@gmail.com

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