É impressionante a rapidez com que se propaga uma notícia nas redes sociais. O problema é que, às vezes, a informação é só um rumor, um boato. Espero que você não tenha sido vítima de uma dessas abomináveis criaturas virtuais. O dano que causam os boatos é quase sempre irreparável. E espero mais ainda que você, caro leitor, não seja um daqueles criadores desses mistos de meias verdades e meias mentiras, que tantas perdas geram ao direito fundamental de estar informado na esfera pública e à construção coletiva da História.
O mais recente exemplo ocorreu durante a greve de policiais e bombeiros militares do Estado do Ceará. Das unidades onde se aquartelaram os grevistas, ou das residências e estabelecimentos comerciais onde os cidadãos internautas foram sitiados pelo medo, as informações logo ganharam as redes sociais, alcançando depois os meios de comunicação tradicionais, depois as massas de leitores, ouvintes e telespectadores, os conectados novamente, num círculo vicioso nunca antes registrado na história desse País. Ou talvez do mundo, senão vejamos.
A partir do anúncio da paralisação, dia 29 de dezembro, as informações que sustentaram seis dias de boataria se propagaram de forma virulenta, e espalharam pânico. Sem que se soubesse exatamente quem as produzia e as reproduzia, com que intenção ou com que desatenção, com que boa vontade ou com que grau de maldade. Relatos dos avatares os mais diversos, de fakes virtuais e até de pessoas reais davam conta de atos de violência na rua, contra casas e lojas. Supostamente sofridos por quem os postava, assistidos por eles ou sabidos por eles através de terceiros.
A postagem de velhas fotos de bandidos armados, presumivelmente do Rio de Janeiro, e de vídeos de arrastões, que teriam ocorrido em outras cidades, também foi usada pelos boateiros, verdadeiros difusores do terror. No sexto e último dia de trabalho duro para os terroristas da informação virtual, o comércio baixou as portas. Depois, os bancos, repartições públicas, escolas e hospitais. Restaurantes fechados. Transporte público parado. Casas trancadas. Ruas fantasmas. Uma cidade inteira confinada, assombrada, vitimada pela desinformação.
Como morador desta Fortaleza alegre e divertida, vi-me por um momento num Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago, 1995). Sem informação ampla, profunda e de qualidade, negligenciada que foi pelos meios tradicionais para tão complexa e delicada situação, e sem a informação pública, negada pelo Estado, a cidadania não enxergou as razões da greve e as razões do governo. A esfera pública não problematizou, não debateu racionalmente, não deliberou. Ao público foi negado o direito à consciência, à opinião, à participação, restando-lhe apenas a opção de se refugiar na esfera do que é mais privado, o lar.
Agora que a greve terminou, arrisco oferecer algumas possíveis conclusões. A primeira é uma premissa: o número de assaltos, roubos de carro, assassinatos, arrastões etc ocorrem, com maior ou menor visibilidade, com maior ou menor violência, independentemente do número de policias nas ruas. Segunda possível conclusão: a ocorrência criminosa mais devastadora, talvez, tenha sido a prática de um jornalismo anti-cidadão, sobretudo e originalmente nas redes sociais, e a disseminação do terror, digo, do temor, provavelmente como arma de guerra, digo, de greve.
Terceira: o número de boatos que circularam nas redes sociais foi maior que o de ocorrências policiais do período, bem como o número de notícias veiculadas pelos meios particulares foi maior que o dos meios públicos. Quarta: lojas e casas trancadas podem ser a metáfora social para um governo e uma força pública que se fecham ao diálogo com o outro, e se negam a interagir de forma menos unívoca e autoritária com o mercado e com a sociedade. Quinta: cidade fantasma com ruas desertas pode ser a representação de uma esfera pública esvaziada pela falta de comunicação pública.
A sexta: sem reconhecer a esfera pública, sem as informações e os canais de manifestação da comunicação pública que a sustentam e lhe vivificam, o cidadão se sentiu desprotegido, ameaçado e, amedrontado, buscou refúgio na esfera privada de casa. Sétima: governos e sindicatos ainda não descobriram que as redes sociais podem ser utilizadas como ferramenta de comunicação pública, especialmente em situações de crise. Oitava e última possível conclusão: o boato nas redes sociais pode ser a informação de uma negligência pública, boato pode ser a notícia da omissão.
Artigo reproduzido neste site com autorização do autor
Alberto Perdigão – jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade – aperdigao@terra.com.br – @FalaPerdigão