Hermann Hess escreveu Sidarta quando estava com 45 anos. Cinco anos depois publicou o Lobo das Estepes. O grande livro de Hess, no entanto, é Sidarta, ainda que o escritor alemão tenha recebido o Nobel (1946) por causa do segundo romance.
Contando a história de um príncipe, em Sidarta, Hermann Hess chega à conclusão, a certa altura do livro, que o mais importante, na vida, é contemplar a natureza e não buscar algo que, por mais que se procure, nunca se encontra. Assim, quando Sidarta chegou a um determinado rio da Índia,se deparou com Vasudeva que, como ele, também saiu de casa para buscar a felicidade mas, como não conseguiu, resolveu se tornar barqueiro e ali estava transportando as pessoas de uma margem para outra.
Sidarta, no início, não entendeu muito bem por que Vasudeva fazia aquilo. Depois compreendeu. Vasudeva tinha deixado de procurar a felicidade porque, ao contrário dele, tinha dado com ela no rio.
Todos os dias, dizia Vasudeva para Sidarta, assim que se levantava, se deparava com o rio na frente dele. Depois, quando entrava na barca e se punha a navegar, também se punha a ouvir o barulho das águas e isso fazia com que se sentisse feliz. Este sentimento, no entanto, não se deu assim, de imediato. Foi preciso se acostumar com o som das águas para, finalmente, entender a linguagem delas. Sidarta, depois de ouvir esta explicação, compreendeu a felicidade do outro mas, como ainda não estava preparado para ela, foi embora.
A conversa de Sidarta e de Vasudeva às margens de um rio, talvez não passe de fantasia para muita gente. Mas quando se pensa que o rio sobre o qual Vasudeva falava para Sidarta é a vida, talvez a fantasia de Hermann Hesse não seja assim tão fora da realidade. Basta ver o sol quando nasce todos os dias. Haverá lâmpada mais poderosa do que essa e, no entanto, ninguém paga nada por ela assim como ninguém paga pelo ar que respira ou pela força de gravidade que faz com que todos os seres vivos se desloquem de um lugar para outro sem correr o menor risco de cair do planeta.
Imagine se alguém descobre uma maneira de apagar o sol para quem não paga por seu brilho ou de desligar a força de gravidade da Terra se não receber nada? A vida, logicamente, se tornaria um tormento. Felizmente, o que é essencial para a vida é grátis. A pessoa, quando nasce, não precisa pagar para crescer fisicamente nem para deixar de crescer. Da mesma maneira as árvores, quando crescem, ninguém ouve ruído nenhum e não podia ser diferente porque, se fizessem tanto barulho quanto uma retroescavadeira quando abre um buraco para, ali, ser plantado um edifício ou uma motosserra quando derruba o verde de uma grande ou pequena cidade, ninguém conseguiria dormir ou trabalhar direito.
A solidariedade, portanto, é a regra da natureza. Mesmo os animais, quando estão com fome, se reúnem para caçar em bando. Quem disse que a lei do mais forte prevalecesobre a do mais fraco esqueceu de dizer que os mais fortes são sempre aqueles que se juntam para sobreviver e não os que se dividem para competir.
* Natalício Barroso é jornalista e escritor