Gabriel García Márquez deixou muitas lições. Por isso foi considerado o maior escritor em língua espanhola depois de Miguel de Cervantes. Um reconhecimento extraordinário . Contudo foi para os jornalistas que Gabriel deu a maior contribuição. Foi o mentor de um núcleo que chamou de novo jornalismo e acolheu jovens de todo o mundo que quisessem se aprofundar na arte de transformar informação em notícia. Na literatura com o livro Crônica de Uma morte Anunciada ele conta, na forma de uma reportagem, a história do assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos Vicário. É um crime passional. Uma vingança em uma pequena vila. É uma verdadeira aula de como um fato banal em uma cidadezinha perdida pode se transformar em uma reportagem. O livro começa com aquilo que os jornalistas chamam de lead, ou seja, o fato mais importante de uma reportagem. Logo no início se fica sabendo que Santiago vai morrer e isso, ao invés de desestimular o leitor a continuar lendo, afinal, ele conta o desfecho da história, prende o leitor até a última letra. É o contrário da Agatha Christie que prendia o leitor até o finalzinho da história para contar que o mordomo era o assassino.
Esta qualidade do prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, é o que todo jornalista sonha. Contar uma história que prenda a atenção até o seu final. Para isso é necessário ouvir as fontes. Mais de uma. Ficar atento porque as versões são diferentes e todos os entrevistados acham que estão dizendo a verdade. Acima de tudo é preciso respeitar a opinião alheia e duvidar ao mesmo tempo. A dúvida é uma necessidade ética, não um descrédito, não uma afronta a quem quer que seja. No livro, ainda que a história seja uma ficção, há um passo a passo na construção de uma reportagem.
Jornalistas jovens e velhos não podem deixar de ler. Há inúmeras outras contribuições que García Márquez deixou para a literatura latino-americana. Mas as lições de jornalismo no Crônica de Uma Morte Anunciada são universais. Em nenhum momento apela para o sensacionalismo, uma arma tão usada hoje para se obter audiência. Trata os humildes personagens com dignidade, com respeito. Por isso as lições valem para qualquer jornalista, em qualquer parte do mundo. Ao se acompanhar o desenrolar da tragédia de Santiago Nasar é possível ver o sangue e o estertor dele contado por várias fontes e entender por que Gabriel dizia que a vida é uma sucessão contínua de oportunidades.
* Hérodoto Barbeiro é escritor e jornalista da RecordNews e R7.com – herodoto@r7.com
Artigo publicado no blog do autor (noticias.r7.com/blogs/herodoto-barbeiro) e reproduzido neste site com sua autorização