Realidade? Que realidade? A imprensa tem o hábito de dizer que costuma transmitir a realidade da vida. A realidade da imprensa, no entanto, não é, exatamente, a do indivíduo. Pode até ocorrer dramas e tragédias na vida de cada um. Mas não é sempre.
Dona Hermengarda, quando sai de casa para fazer compras em um supermercado, está sujeita a todo tipo de perigo. Mas está sujeita, também, a encontrar um amigo ou amiga de infância, a receber um telefonema extraordinário no caminho e ter a grata satisfação de se deparar com um produto do qual tanto precisava e não sabia, sequer, que existia.
Resta perguntar: tudo isto faz ou não parte da realidade das pessoas? Faz e, se faz, por que não está na mídia? Por causa do ibope. Ansiosa por audiência, o que a imprensa faz, ao longo de sua programação, é classificar o dia-a-dia de uma pessoa e falar sobre ele de acordo com suas conveniências. Dando ênfase aos problemas pessoas ou sociais. Assim, se alguém tem uma doença rara ou foi assaltada, é notícia. Mas se alguém promove uma boa ação é motivo, muitas vezes, de escarnio. A felicidade, portanto, assim como a sua irmã gêmea, a alegria, foram alijadas das páginas dos jornais, sejam eles impressos ou eletrônicos. E o que fazer com isso? Considerar que a realidade está na mídia, somente, e não no dia-a-dia das pessoas ou considerar que a realidade que está na mídia é tão ilusória quanto um conto de Gabriel García Márquez? Considerar, naturalmente, que a realidade que está na mídia não passa de um conto mal feito, por sinal, que nem García Márquez ou qualquer outro escritor gostaria que fizesse parte de sua bibliografia.
A poesia, como se sabe, foi expulsa da imprensa de uma maneira geral. Em seu lugar foi colocado um outro tema: a violência. Qual o jornal do Brasil ou do exterior que não tem, como foco principal, a violência? Todos eles têm este foco. E por quê? Acreditam eles que é o único tema que, de fato, interessa à população. A violência, no entanto, tem fatores sociais e econômicos. A violência que se vê na imprensa, por outro lado, é apenas aquela, consumada, e não aquela outra, silenciosa, que gera tal desequilíbrio: a falta de dinheiro e oportunidade por parte dos agredidos e agressores. E como mudar isso? Impossível. A coisa está tão entranhada, na mídia, que é difícil dizer, para os editores, que o que eles fazem, nos jornais, é justamente o que os diretores de cinema, nos Estados Unidos, também fazem em seus filmes. Regem uma orquestra de horror no final da qual prevalece a Morte e não a Vida.
Natalício Barroso é jornalista e escritor