Semana passada eu entrevistei uma mãe, 36 anos, moradora de uma das comunidades mais pobres de Fortaleza. Lá é ali, pertinho de nós, onde o comércio de drogas impera. Falta esperança para mudança de vida, falta coragem para enfrentar as facções, o medo e o silêncio são fundamentais para o acordar de cada dia.
Foi nesse cenário que essa mãe me contou a grande aflição de sua vida. Ela saia para trabalhar cedinho e deixava o filho na escola. O menino conheceu a maconha com dez anos, ofertada dentro do colégio. Aos dezesseis saiu de casa para fazer parte da facção. Ao invés de livros, cadernos, namorinhos e brincadeiras com amigos ela manuseia armas de fogo e ela teme todos os dias pela sua vida. Mesmo diante das evidências ela espera pelo milagre, o milagre que o traga de volta.
Como essa mãe, existem muitas. São inúmeros relatos de jovens que se envolveram nesse mundo que não tem volta, que não tem opção, que a morte é esperada, que a vida se resume em se esconder, que se deixa de ser adolescente e se carrega o peso do crime nos ombros.
Coincidência ou não, me peguei assistindo a novela das nove, grande audiência da rede globo. O assunto principal é o tráfico e tudo o que ele representa. Destruidor de lares, famílias e sonhos. E eu tenho feito a seguinte pergunta: Essa realidade exposta para todo o país vai nos beneficiar em quê mesmo?
A personagem Bibi, vivida por Juliana Paes se envolve no mundo do crime. Arrisca o filho, a mãe, a própria vida… tudo para não abandonar o marido, que está preso e precisa da ajuda da esposa para fugir, mentir, negociar, traficar… Não vou me ater ao fato dessa personagem ser baseada em fatos reais, nem a afirmação de que a verdadeira Bibi fez parte do tráfico e tornou-se a baronesa do pó. Foi casada por 14 anos com o traficante Saulo de Sá Silva (o barão do pó). O que é preocupante é como a sociedade vai lidar com a história.
Então eu peso as duas medidas: a mãe que entrevistei que tem sua vida dilacerada por causa da droga e a mãe da ficção, que não mede as consequências de seus atos, ama intensamente e o que pesa mais em sua consciência é o fato de seu marido nunca ter “errado” com ela. Bibi é intensa e egoísta. Intensa por amar sem limites e sem filtro e egoísta por não se importar com o mal que está fazendo a si mesma e aos outros.
Não se pode achar natural que as pessoas vejam o crime como algo compensador, romântico, que se possa justificar com a frase: foi tudo por amor… Porque mesmo que ela não se sinta feliz em fazer conscientemente o que é errado, seus atos podem influenciar algum dos milhões de telespectadores. Ficarei satisfeita se o desfecho coincidir com a verdade, se o que é correto e moral se sobressair do errado e maléfico.
É válido também quando se mostra a vida no tráfico como ela é. O esquema não é oportuno. É sofrido, desgastante. Vida de medo e incertezas que podem até trazer um fácil rendimento financeiro se você consegue conviver sabendo que o seu produto destruirá muitas, muitas mães reais, como a do início do texto.
Márcia Rios – Jornalista
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