Você sabia que os candidatos com deficiência que tentaram uma vaga como deputado estadual ou federal não se elegeram no Ceará? O site Eficiência & Superação ouviu cinco PcDs para saber a razão pela qual não foram eleitas.
Confira abaixo a matéria do jornalista Edson Gomes para o site Eficiência & Superação.
Seis pessoas com deficiência (PcDs) no Ceará se candidataram aos cargos de deputado estadual e federal nas Eleições de 2018. Nenhuma conseguiu ser eleita e, mais que isso, os números das urnas mostraram que nem perto chegaram. Somados todos os votos deles, o total é 7.024. Para se ter uma ideia, o eleito com menor votação conseguiu 24.591.
Se o Ceará tem cerca de 1,4 milhão de PcDs (incluídas deficiências físicas e intelectuais), das quais cerca de 300 mil só em Fortaleza, conforme estatísticas oficiais, esse quantitativo seria suficiente para eleger ao menos um candidato.
Ocorre que, conforme declaração da deputada federal Mara Gabrilli, após ser eleita senadora com 6,5 milhões de votos pelo Estado de São Paulo, a maioria das pessoas com deficiência não vota. “Eu entrei na vida pública para defender as pessoas com deficiência, mas esse nunca foi o público que me elegeu. Porque a maioria nem votava. Eu sempre fui eleita por formadores de opinião”, explica Mara, que é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados. Ela é tetraplégica há 23 anos em decorrência de acidente de trânsito.
Mesmo que a maioria das PcDs não vote, pelas próprias peculiaridades que lhes são impostas por condições de saúde, há de se questionar por que os familiares deles não votam nas pessoas com deficiência já que, em tese, poderiam priorizar a pauta da categoria. Essa não é uma resposta fácil porque necessita de extenso trabalho de pesquisa junto ao referido público. Porém, o site Eficiência & Superação ouviu cinco PcDs para saber a razão pela qual não foram eleitas. Confira abaixo.
Com a resposta, os próprios candidatos
Alexandre Mapurunga, autista, foi candidato a deputado estadual e recebeu a votação mais expressiva: 3.195 votos. Segundo ele, com mais nove mil votos teria sido eleito. Marinheiro de primeira viagem, Alexandre cita várias situações que influenciam, como a falta de experiência. “Algumas coisas fomos aprendendo durante o processo. Batemos um pouco a cabeça para entender como uma campanha devia ser feita.”
Também lembrou a particularidade de se fazer campanha para PcDs. “Tínhamos como pré-requisito fazer todo o material de maneira acessível: o jingle teve a versão em Libras; o panfleto em Braile; os textos eram disponibilizados com as descrições; e tudo isso demandava mais tempo para produzir, diferentemente das demais campanhas que não têm esse compromisso”, explicou Alexandre, que tem 41 anos e é analista de sistemas.
Para ele, outro fator decisivo foi a falta de recursos. “Recebemos somente R$ 12 mil do Fundo Partidário. Outros R$ 4 mil foram de doações. Recursos insuficientes para a campanha que pretendíamos fazer, como uma série de atividades no interior.
Por último, considera que faltou sensibilidade por parte do partido (Psol), que não lhe concedeu tempo de TV. “O partido optou por não visibilizar a nossa pauta, desconhecendo, também, nosso potencial eleitoral. A TV seria a oportunidade de alcançar aquele eleitor que já me conhece, mas que não tive tempo de ir até ele. Isso teve impacto muito negativo, pois viajamos quase todo o interior do Estado nesses últimos dez anos.”
Sobre o futuro político, Alexandre se posiciona de maneira firme, mas com prudência. “Sou candidato de uma pauta: que é a inclusão. Agora, vamos refletir, juntar o pessoal para avaliar, mas considero a possibilidade de tentar novamente. Quem sabe na próxima eleição para vereador”.
Uma campanha solitária
Outro que se candidatou a deputado estadual, também pela primeira vez, foi Jeová Aquino, que é paraplégico. Ele disse que já faz política virtualmente porque luta pela acessibilidade nas redes sociais, mas sem efetividade. “Acreditei que com mandato conseguiria resultados práticos. Sabia que seria difícil, pois não tinha dinheiro e me iludi pensando que o partido me ajudaria com a chamada verba de campanha”, afirma Jeová, que é graduado em Teologia pela Universidade Metodista e faz pós-graduação em Aconselhamento Pastoral pelo Instituto Dimensão Paraná, no sistema de Educação a Distância (EaD).
Sem dinheiro para bancar a campanha e sem apoio financeiro do Partido Pátria Livre (PPL), Jeová trabalhou sozinho, de cadeira de rodas, dependendo de ônibus para se deslocar pelos bairros da cidade. “Meu esforço foi inútil. Ainda estou exaurido. Não consigo me concentrar para concluir o 4º semestre da Faculdade de História pela Anhanguera”, lamenta. Sua votação foi de 153 votos.
Na avaliação dele, também foi determinante a “tradição de que candidato pobre não ganha eleição. Além disso, sem programa na TV ou recursos para viajar pelo Estado, as pessoas não me conheceram, não souberam das minhas propostas”.
O maior obstáculo e também a maior decepção, no entanto, veio da parte daqueles de quem mais esperava apoio. “Havia uma rejeição enorme de todos os grupos de cadeirantes da cidade e virtuais, os quais procurei ajuda. Meus pares me chamavam de oportunista, não acreditavam na minha plataforma de luta e em nenhum grupo de cadeirantes local eu fui aceito”, explica. Ele afirma que sem o devido apoio jamais se candidatará novamente.
Jeová ficou paraplégico após contrair poliomielite aos dois anos de idade. Atualmente tem 59 anos e é paratleta, inclusive ganhou medalha de ouro na modalidade Peito, nas Paralimpíadas do Nordeste, realizada na cidade de Recife, em 2004.
Expectativa frustrada
Um total de 1.853 votos. Essa foi a votação de David Brasilino, 40 anos. “Eu me surpreendi muito. Esperava tirar quatro, cinco vezes esse número. Tinha até esperança de ser eleito, porque muitos acreditaram na minha sinceridade, fui transparente e consegui muitos apoios. Contudo, infelizmente, mais uma vez o dinheiro corrompeu as pessoas na véspera ou no dia da eleição, e acabaram mudando seus votos”, narra Davi, que é servidor público e trabalha no Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran/CE) há sete anos.
Ele aponta a falta de dinheiro como principal fator limitante da campanha para deputado estadual pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros). “Esse foi o maior obstáculo para expandir minhas propostas ao interior do Estado. “Como não tinha recursos, acumulei as funções de coordenador, de marqueteiro, motorista e tesoureiro, pagando tudo com meu suado dinheiro de servidor público”, diz Davi, que também é atleta da Seleção Paralímpica de Tênis de Mesa. Ele ficou paraplégico aos 26 anos após cirurgia para extrair tumor na medula.
Por outro lado, ficou satisfeito porque muitos reconheceram seu trabalho e sua ética. “A pesar de todas as dificuldades, fico feliz que acreditaram no meu potencial e votaram porque confiam. Para mim foi gratificante. Ainda têm pessoas que acreditam em uma proposta séria.”
Ele já havia se candidato a vereador de Fortaleza em 2008 e tirado 1.785 votos, ficando na terceira suplência do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Indagado se ainda vai se candidatar, não deu a certeza, mas disse ser uma possibilidade.
Difícil romper o sistema
Na contramão dos demais candidatos, Arnete Borges foi a única que declarou ter recebido apoio do Partido Democrático Trabalhista (PDT). “Recebi dinheiro do Fundo Partidário para realizar minha campanha. São muitos candidatos, nem todos recebem, mas recebi. E não só isso, tive o carinho e o respeito da parte dos assessores e do presidente do Partido”, reconhece Arnete, que é paraplégica e tem 51 anos.
Mesmo com o auxílio, não foi suficiente para ser eleita deputado estadual. As urnas registraram que 731 pessoas votaram nela. Em sua análise, existe uma grande barreira para os novatos que tentam ingressar na política. “Difícil romper esse atual sistema, é quase uma muralha intransponível, principalmente no interior, onde famílias tradicionais tornaram a política um negócio, e vêm se alternando no poder ao longo de muitas gerações”.
Arnete exerce o cargo de conselheira do Conselho de Saúde do Estado. É dela a iniciativa de levar o projeto Cão-Guia para o Município de Limoeiro do Note, onde reside. A cidade fica localizada a 198 km de Fortaleza. Ela perdeu os movimentos das pernas, gradativamente, já depois de adulta.
Desconhecimento de direitos
A única candidata ao cargo de deputado federal foi a dona de casa Fátima Oliveira “Fatinha”, que é cega. Ela somou 602 votos pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Foi a segunda vez que se candidatou. A primeira foi para vereador de Fortaleza, quando recebeu 232 votos.
Para ela, o que faltou foi “verba para investir na campanha, principalmente no Interior do Estado. Queria viajar pelos municípios divulgando meu trabalho e minhas propostas, mas não tive condições financeiras”. Segundo ela, outro grande problema foi a falta de conhecimento, de informação. “A maioria da população no Interior desconhece os seus direitos e a importância de se escolher candidato honesto, que irá lhe representar”.
As dificuldades, no entanto, não são motivos para fazê-la desistir. “Jamais desistirei. Nas próximas eleições vou concorrer a vereador em minha cidade natal, que é Trairi”, adianta.
Outra PcD que se candidatou a deputado estadual e não se elegeu foi Jacinto Araújo, que obteve 490 votos. O site Eficiência & Superação entrou contato com ele mas não obteve resposta.
VITÓRIA TOTAL
O líder sul-africano Nelson Mandela disse, certa vez, que nunca perdeu uma eleição: “Ou saía vitorioso ou ganhava experiência”. No caso das PcDs, elas tanto adquiriram experiência como foram vitoriosas, pois agiram com ousadia, coragem e muito esforço. Afinal, já dizia Mahatma Gandhi: “A nossa recompensa está no esforço, não no resultado. O esforço total é a vitória completa.”
Fonte: Site Eficiência & Superação